Porque o que escrevo vem de delírios que poderiam ser conseguidos
com alguns drinks, cigarros caros e uma hora de desabafo de alguém.
Ou simplesmente me deito e espero.
Levantar não é tão fácil assim, nem se afastar do parapeito da
janela do vigésimo andar, ou guardar os comprimidos e a lâmina de
barbear de volta no espelho daquele banheiro sujo.
Ninguém entende os suicidas.
Quando eu soube que ele tinha pulado em direção ao rio
congelante, o que pensei foi "por que não esperou até o
verão?" não estou sendo insensível, simplesmente
compreensiva, entende? as vezes simplesmente não há o que fazer, ou
não sabe-se o que fazer.
Não disse que concordo, nem quem discordo, somente que
compreendo, porque as vezes chega-se em um momento da vida em
que nada parece certo, nem a perspectiva de que um dia dê, então
para que manter esse sofrimento todo se a liberdade está a um ato de
distância? Entende?
Provavelmente não.
Ninguém entende os ladrões nem os homicidas.
E ninguém tenta entender, "monstro""pobre da
vítima" são os únicos termos de suas mentes restritas. Claro
que nem sempre se aplica, alguns o fazem somente por prazer, mas você
não acha que, para chegar ao ponto de matar alguém, a pessoa deve
ter passado por poucas e boas?
Fui assaltada uma vez. Fiquei em choque, estática, um moço
gentil se aproximou "está tudo bem" "não sei, temos
que perguntar" "perguntar?" "isso, perguntar.
Comigo está tudo bem, mas e o ladrão?" "o que tem o
ladrão?" "será que ele está bem? ele não deve estar
bem, para ter assaltado alguém, deve ter acontecido alguma coisa.
Devemos ir atrás dele, ver como ele está"
O moço gentil me olhou com cara de espanto, como se eu fosse
louca. Talvez eu seja mesmo.
Mas sabe, não tive uma vida verdadeiramente ruim, tenho pais que
me amam, uma casa, um irmão irritante e uma mulher incrível.
Mas ainda assim, não consigo afastar essa coisa toda de mim, é
como um mal que consome a gente, que nos proíbe de ter paz.
Lembranças que te assombram como fantasmas, outras que fazem
fantasmas parecerem brinquedo de criança.
Lembranças consomem, e se alimentam da sua paz
Tenho uma sinceridade oriunda de putas e hotéis sujos de beira de
estrada. É parte de quem sou.
As vezes paranóica, dissimulada, louca e sincera.
Outras vezes calma, estável transparente e sincera.
Ou ainda impenetrável, obscura, ininteligível e sincera.
Minha personalidade muda mais do que uma mente humana medíocre e
banal conseguiria entender.
Mas você, sua mente não é comum, não é mesmo? Não passa nem
perto de ser medíocre ou banal, ou simples ou comum.
Sua mente é única, e quase compreende a minha de uma forma
única.
Quando disse aquilo, jurei que se referia a mim. Me lembrou
daquele velho senhor que me parou um dia e disse palavras semelhantes
"você, vocês, todas aí dentro de você. Você tem um dom,
menina, um não, muitos, você é muitas"
uma por vez e todas ao mesmo tempo.
Às vezes me perco nesse pandemônio que chamo de Eu. Não dei
atenção ao velho senhor, pensei que estivesse louco.
Mas não me dei conta de que estamos todos.
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