sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Lady Lazarus

Eu fiz outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito —
 
Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito

Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.

Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo? —

O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.

Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.

E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas vinte e tantos anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.

Logo chega a Número Três.
Que besteira
Aniquilar-se a cada década.

Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos na primeira vez.
Foi acidente.

Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada

Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.

Desse jeito faço parecer infernal.
Desse jeito faço parecer real.
Vão dizer que tenho vocação.

E muito fácil fazer isso numa cela.
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
É o teatral

Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:

“Milagre!”
Que me deixa mal.
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.

E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou cada toque
Ou mancha de sangue
Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.

Me fundo num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.

Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —

Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Sussurro de memória

Nós nos esquecemos de quem somos,
Nós nos desconectamos do Universo em sua supremacia
Nós nos tornamos estranhos aos movimentos da terra,
Nós pensamos que podíamos ignorar os ciclos da vida.

Nós nos esquecemos de quem somos.

Nós ambicionamos apenas sanar nossas próprias necessidades
Nós exploramos sem reaver as consequências meramente para saciar nossos desejos medíocres
Nós deturpamos o conhecimento
Nós nos prevalecemos pelo poder

Nós nos esquecemos de quem somos.

Nós regamos a floresta com seu próprio sangue
Nós matamos e destruímos por desenfado
Nós criamos nossas crianças desprovidas de memória
Nós ignoramos as necessidades arraigadas de tudo o que há

Nós nos esquecemos de quem somos.

Agora a terra é estéril,
as águas estão envenenadas,
E o ar está poluído.

Nós nos esquecemos de quem somos.

Agora, as florestas estão morrendo,
As criaturas estão desaparecendo,
Nós humanos estamos sofrendo as consequências de nossos próprios atos
E o caos reina 
tirânico.

Nós nos esquecemos de quem somos.

Podemos pedir perdão
Podemos pedir o dom da lembrança
Podemos pedir força
Mas ainda não estamos prontos para recordar
ainda não estamos prontos para mudar
ainda não estamos prontos para deixar de lado as banalidades que nos trouxeram a esse ponto de destruição.

Então afirmamos em um sussurro quase inaudível:
Que nós possamos nos lembrar de quem somos

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Essa herança da qual tento fugir, mas inevitavelmente será entregue a mim

Eu tentei fugir tentei com todas as minhas forças.
Não toquei a caneta, ou o papel, ou o bloco de notas do celular.
Mas falhei.
Resolvi escrever sob pena de enlouquecer caso não o fizesse.
E não digo enlouquecer no bom sentido.
Me refiro a coisas ruins.
Coisas ruins.
Estou ouvindo a mesma música pela décima segunda vez. Vamos lá.
Sempre me espanto com o rumo o qual as coisas da vida podem tomar.
Em como cavamos abismos com nossos próprios pés e mãos.
Isso não é bem um texto. Se está procurando uma poesia de amor, pule este texto e talvez encontre algo mais a frente.
Afinal, é assim que vivemos a vida, caminhamos para ver o que há mais a frente.
Minha mente se encontra momentaneamente inundada de ansiedade,
um passo de cada vez, é o que devemos repetir até cair no sono.
É realmente evitável tentar decifrar o próximo passo antes que seja dado?
ou é apenas mais uma daquelas coisas abstratas e inatingíveis que colocamos como objetivo?
Mas aqui estou, aqui estamos.
O que vamos herdar de cada momento?

terça-feira, 15 de maio de 2018

Reflexo idealista

Enquanto nos olhamos no espelho e não reconhecemos o que vemos, talvez não por não nos conhecermos o bastante, nem por termos mudado, mas por esperarmos ver algo que não somos nós. 
Algo que é construído nessa realidade imensa, algo que construímos baseados no que nos disseram que era correto. 
Quem somos nós frente ao que idealizamos como nós? 
Quando tudo já foi escrito, eu me pergunto, o que nos resta?
Talvez sejamos isso, talvez sejamos algo mais. 
Talvez não devessemos nos limitar ao que o mundo espera ou a imagem que nós tomamos como objetivo a ser atingido. 
Talvez esse objetivo possa ser caminho, mas não fim.
Nunca o fim. 
Porque somos bem mais do que tudo isso. 
Somos um mundo inteiro esperando ser descoberto - e com ser descoberto me refiro especialmente a auto descoberta.
Somos almas selvagens ansiando pelo instante em que serão libertas. 
Que saem a  noite, 
ao redor de uma fogueira, 
dançando na floresta.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Fragmento

Aqui estou, aqui estamos. 
Nessa busca incessante por algo que nem sabemos se algum dia iremos encontrar.
O porque da felicidade ser um objetivo de vida, é uma coisa elementar.
O motivo de não nos darmos conta de que talvez ela não passe de uma ilusão a qual nunca alcançaremos, somente em pequenas doses nas quais nos agarramos desesperadamente.

Isso sim é peculiar.

É como provar amostras grátis de um produto incrível sem nunca encontrar o produto em si para comprar.
Matamos e morremos por isso.
Vivemos por isso.

Então se vivemos por uma ilusão, seria a nossa vida também nada além de uma ilusão?
Construída sobre os corpos e o sangue que a vida derrama sobre a terra.
E um dia, seremos tijolos na construção.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Essa tempestade forte que me incita o instinto

Essa chuva me embala, e me leva inconscientemente. 
Antes que eu perceba, já é tarde demais, estou absorta na leitura dos textos de Bukowski, ou agarrada à caneta e ao papel deixando as palavras tomarem conta de mim enquanto eu tomo conta delas.
Esse som de chuva, chuvisco, temporal, atemporal.
Parece durar eternamente.
E eu sou grata por isso.
A energia falhou, e somente me ilumina o corpo nu a luz cálida e tímida de uma vela velha, perdida e achada na terceira gaveta da cômoda empoeirada, em frente a qual concebo agora.
Nesse sábado a noite, 
deve ter algo errado comigo.
Deveria ter percebido quando escrevi um livro inteiro, e apaguei. 
Ou muito antes disso.
Na verdade acho que eu sempre soube.
Mas tudo bem.
Tudo bem.
Ela continua a me chamar, cada vez mais perto,
E então as amarras que me seguram se soltam, e eu corro assim como estou em direção às gotas frias da chuva.
No mais puro instinto.
As gotas são frias, mas tão sublimes que são incapazes de causar qualquer desconforto.
Então eu caminho descalça e despida na chuva fria que cai sobre a minha pele quente mas não tão quente assim,
E danço enquanto sinto minha alma saltar e se libertar
Nada mais vai lhe prender, digo à ela,
E tudo bem.
Tudo bem.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Cari Abaçaí

Nós sabemos o que nos faria bem,
sabemos bem.
Mas desde o período do homem sobre os bichos, do homem sobre a mata
do homem sobre o homem
desde que nossos antepassados foram arrancados de suas terras e escravizados,
desde que correr nu e descalço se tornou uma ofensa contra a ridícula
moral europeia
e o respeito à mãe Terra se torno tão dispensável quanto o amor é hoje.
(considerando que antes disso fosse, ao menos, um pouco diferente)
não temos a menor chance contra o mundo,
contra essa realidade dura que nos molda porque não somos tão duros quanto ela.
e ser moldado não é fácil,
é doloroso
ríspido
intragável
inevitável
O mais fraco sucumbe, e
nesse caso
somos
nós.